
Num setor tradicionalmente masculino como a construção civil, uma iniciativa inovadora está abrindo caminhos para uma nova geração de profissionais: mulheres que assumem o comando de máquinas pesadas com segurança, preparo técnico e confiança.
Idealizado por Diana Azambuja, engenheira civil, e Michelle Clos, doutora em gerontologia biomédica, o projeto “Mulheres Operadoras de Máquinas Pesadas” surgiu com o propósito de enfrentar a escassez de mão de obra qualificada e ampliar a presença feminina nas frentes de trabalho, com alto nível técnico e autonomia.
A ideia nasceu da vivência cotidiana de Diana nos canteiros de obras, onde percebeu a dificuldade em encontrar profissionais qualificados e a quase ausência de mulheres na operação de equipamentos pesados. A partir dessa constatação, foi criada uma capacitação gratuita e de alta qualidade voltada exclusivamente para mulheres, uma porta de entrada para um setor ainda marcado por barreiras de gênero.
Uma rede de apoio foi essencial para viabilizar o projeto. O SICEPOT-RS é o realizador institucional, com patrocínio da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS-RS). A estrutura das aulas práticas contou com o apoio da COESUL, que cedeu o espaço, e da SLC Equipamentos, fornecedora dos maquinários. Também apoiam a iniciativa empresas como MGM Rental, FBS, John Deere e MD Engenharia.
Pioneiro no Rio Grande do Sul, o curso foi realizado em duas etapas nos meses de março e abril, totalizando 40 horas de formação. A parte teórica, entre os dias 17 e 21 de março, abordou temas como topografia, geotecnia, meio ambiente e segurança do trabalho. Já nos dias 15 e 16 de abril, parte das participantes realizaram a etapa prática supervisionada com máquinas pesadas, aplicando os conhecimentos em campo.
A primeira edição contou com um processo seletivo aberto e inclusivo, que começou com a divulgação interna realizada pelo Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem (SICEPOT-RS) junto aos setores de recursos humanos das empresas associadas à construção civil. Inicialmente voltado para mulheres já vinculadas ao setor, o processo foi posteriormente ampliado para redes sociais e outros canais, mesmo que de forma discreta. Mais de 130 mulheres se inscreveram para disputar 27 vagas, incluindo candidatas com diferentes formações acadêmicas e até mesmo estrangeiras.
Para organizar a seleção, foram adotados critérios básicos de participação, como a exigência de Carteira Nacional de Habilitação (preferencialmente categoria B) e escolaridade mínima, com prioridade para aquelas que tivessem, ao menos, o ensino fundamental completo. Além disso, não houve restrições por idade ou por condições pessoais, o que reforçou o caráter inclusivo do projeto. Também foram considerados o grau de motivação das candidatas, sua disponibilidade para participar integralmente das atividades.
“O nosso objetivo é aumentar a participação das mulheres nesse mercado, mostrando a elas que é possível concorrer a essas vagas, e mostrar aos empregadores que é possível, sim, incluí-las nos processos de seleção”, explica Diana Azambuja.
Ela ressalta que, mais do que qualificação técnica, o programa busca romper barreiras históricas que mantêm as mulheres afastadas de profissões tradicionalmente masculinas.
Mais do que qualificar profissionalmente, o projeto busca gerar impacto social real na vida das participantes. Michelle Clos, responsável pelo monitoramento social, destaca que a expectativa é de que ao menos 40% das participantes sejam contratadas em curto prazo. “Mas o impacto real vai além do número de contratações. Estamos falando de um possível aumento de até 30% na renda per capita das participantes, o que é muito significativo, sobretudo considerando que muitas delas são chefes de família”, afirma.
Para garantir esse impacto, o projeto prevê um acompanhamento pós-formação focado na orientação de carreira. Cinco mulheres já participaram de seleções logo após o término do curso. Embora o suporte psicossocial ainda não tenha sido incorporado nesta edição, ele está previsto para os próximos ciclos.
A proposta é expandir a iniciativa com novas turmas e atividades complementares, como mentorias, rodas de conversa e debates sobre temas como empreendedorismo, posicionamento diante o mercado de trabalho, elaboração de currículo e incentivo para perseverarem na área da construção pesada.
Além de qualificar as participantes, o projeto tem metas para transformar estruturalmente o setor. A expectativa é de que 80% das mulheres concluam todas as etapas da formação. Para além dos números, o objetivo maior é demonstrar que competência técnica não tem gênero e que a presença feminina nas operações da construção pesada é não só possível, como essencial para um mercado mais justo e inclusivo.